Abro a internet e vejo “Lázaro”. Fecho. Prefiro nem ler, nem saber. São tantas informações e tragédias, que minha mente não é capaz de suportar mais uma, pelo menos ela insiste em dizer que “não”. Por alto eu já sei que ele assassinou uma família, mas me recuso a entrar nos detalhes. Afinal, quantas pessoas incríveis morreram por conta da covid ontem e eu nem fiquei sabendo seus nomes? Várias. Sendo mais preciso, 1917. Então que diferença faz saber sobre esse assassinato? Parece que estamos vivendo na era da informação insensível, isto é, não conseguimos mais dimensionar a realidade, talvez pelo fato dela estar cada vez mais distópica, gerando, assim, uma banalização do caos.
Sigo minha vida estudando Jornalismo - curso que, por motivos lógicos, subentende que eu sou uma pessoa informada - mas continuo recusando. Não faz sentido. Entro no instagram, vejo alguns posts e ignoro quando a carinha, já carimbada do Lázaro, aparece. Ligo a TV, sem saída, lá está ele também. Até meu pai comentou comigo, confirmei saber do caso mas sem entrar em detalhes, por conta da minha escassez, proposital, de informações.
O assunto invadiu a nossa rotina de uma forma tão impactante, que até na minha aula de Impresso II ele apareceu como um exemplo de reportagem. Isso sem falar da minha amiga que me perguntou se eu estava por dentro, com toda sinceridade disse que não. Diante dessa minha alienação proposital, não tinha nem refletido sobre o assunto. Contudo, ao entrar no Núcleo do Jornalismo Audiovisual o assunto surgiu em pauta no grupo, chamando minha atenção de um jeito singular, pois ali o problema apresentado não era em relação ao que aconteceu, mas como foi abordado. Sendo mais específico, um dos integrantes do grupo questionou a utilização da palavra “caçada” na cobertura jornalística, afinal, apesar de todo absurdo cometido pelo Lázaro, ele não é um animal.
Isso me marcou profundamente e, quase que instantaneamente, eu me recordei do livro “A Sangue Frio”, escrito pelo jornalista Truman Capote. Um certo dia, enquanto ele trabalhava no The New York Times, ele viu uma nota sobre o assassinato de uma família composta por quatro pessoas e resolveu investigar. Culminando no livro reportagem “A sangue frio” que mais parece um romance policial.
Apesar de ser em formato de impresso, o recurso literário que o Truman Capote usou para escrever sua reportagem é muito semelhante às estratégias usadas para tratar o caso Lázaro. Ou seja, a estética literária não é um recurso novo que os jornalistas estão buscando agora, o próprio Truman Capote buscou essa estratégia no século passado.
Ainda assim, o caso aqui não é apenas o auxílio da literatura ou do storytelling para contar uma história, mas um exagero tão grande que leva à desumanização. Isto é, por mais errado que o assassino seja, ele ainda é um ser humano que merece respeito. Além de fugir dos direitos humanos, a cobertura acaba resultando na fala de Bolsonaro. “Como assim, Gabriel?”, você deve estar se questionando. Quando os jornalistas dizem que a caçada chegou ao fim em um tom de vitória, eles resgatam o bordão bolsonarista que diz: “Bandido bom é bandido morto”.
No decorrer da última discussão do NJA, cheguei em uma conclusão. O problema não é usar estratégias literárias para contar uma história, mas a forma como se utiliza desse recurso. É mais do que evidente, agora, para mim que compreendi a fundo o assunto, que a cobertura foi errônea ao colocar o caso em um patamar quase ficcional, pois não soube utilizar com ética as estratégias de storytelling.
“A sangue frio” e o “Caso Lázaro” são reportagens em formatos diferentes, épocas opostas e com diversas outras adversidades, mas com um estilo muito semelhante. Entretanto, o caso recente, além de ignorar os direitos humanos, gerou em tempo real uma espetacularização ao ponto de questionarmos se é jornalismo ou teledramaturgia. Conforme dito, o problema não está na estética usada, mas sim na forma como foi abordada.
Sendo assim, a solução não é proibir a utilização dos recursos literários na narração de uma reportagem, até porque na maioria das vezes eles aparecem com uma naturalidade muito grande, a solução nesse caso é a equipe, ao buscar uma abordagem mais pautada no storytelling, se policiar e revisar se a proposta condiz com os Direitos Humanos, afinal, reportagem até onde sei, não tem licença poética ou algo assim, e, além disso, é imprescindível a matéria ser condizente com o código de ética dos jornalistas.
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